29/06/07

A Era do vazio....será? a avo Josefa que responda.

Escolhi o segundo tema: A Analise da cultura contemporânea.

Começarei pelo autor Guy Debord com o capítulo I do Livro a Sociedade do Espectáculo

Guy Debord, de forma crítica, apresenta-nos uma sociedade que vive um simulacro, vive uma realidade, mediatizada pela sociedade do espectáculo.

Para ele, estamos perante uma sociedade de mentira perante uma sociedade da ilusão controlada e mediatizada por um poder totalitário que utiliza precisamente o espectáculo para massificar opiniões, ideias e ideais e para, dessa forma, controlar o que aparentemente não parece ser controlado.

É interessante que ao ler estas mini teses me lembrei de outros filósofos por ex. Kierkegaard quando disse que “A multidão é a mentira”, a multidão, o todo unificado, controlado, manipulado a viver uma mentira escondido num todo que é a sociedade neste caso do espectáculo.

Também me lembrei de Karl Marx, em determinada altura deste capítulo, por causa do conceito de Alienação. Nas teses finais o autor também fala do poder que o espectáculo permite trazer a quem o impõe ele afirma que: “O espectáculo é o discurso ininterrupto que a ordem presente faz sobre si própria, o seu modelo elogioso. É o auto-retrato do poder na época da sua gestão totalitária das condições da existência” tal como Marx também falava das ordens dos estados totalitários, que provocavam a alienação do trabalhador, que o manipulavam não só na relação com o produto do seu trabalho mas em todo o processo de produção.

Voltando a Guy, logo na introdução do livro no início do capítulo, na frase de Feuerbach se denota a critica à sociedade, nesta frase ele sintetiza o que vai desenvolvendo ao longo das teses:

A forma superficial, aparente em que se vive na sociedade actual, o autor diz que nestes tempos se prefere a imagem à coisa, ao real, a copia ao original. Mais adiante ele apresenta-nos a sociedade como mediatizada representada num simulacro em algo que não é a realidade é algo, mas não o real é a sociedade do espectáculo.
“ É o espectáculo em geral como o inversão concreta da vida”.


Ele foca no início do capítulo “ que as imagens se desligaram de cada aspecto da vida, fundem-se num curso comum, onde a unidade desta vida já não pode ser restabelecida”
Ele descreve a vivência como sendo algo ilusório, uma dimensão da própria realidade.

Não sei porquê mas só me vem à cabeça a imagem do Neo no Filme Matrix na cena em que tem escolher entre os dois comprimidos

“Morfeu: You can feel it when you go to work when you go to church when you pay your taxes. It is the world that has been pulled over your eyes to blind you from the truth.

Neo: What truth?

Morfeu: That you are a slave. Like everyone else, you were born into bondage born into a prison that you cannot smell or taste or touch. A prison for your mind. Unfortunately, no one can be told what the Matrix is. You have to see it for yourself. This is your last chance. After this, there is no turning back. You take the blue pill the story ends; you wake up in your bed and believe whatever you want to believe.
You take the red pill you stay in Wonderland and I show you how deep the rabbit hole goes. Remember all I’m offering is the truth. Nothing more”

Acabo por associar as duas coisas o filme e este texto, pois no filme também se tratavam duas vivências paralelas, uma que era a realidade e outra que era o simulacro da realidade. Podemos comparar aqui a sociedade do espectáculo com a realidade que é dada a Neo quando toma o comprimido vermelho ou o simulacro do real, que seria o viver como até então tinha vivido.

No inicio do livro, quando o autor nos apresenta esta dualidade: sociedade real e sociedade do espectáculo parece-me que se está a referir numa primeira analise à “socialite” ou à sociedade cor de rosa ao mundo do espectáculo mediatizado nas revistas cor de rosa, ao belo e efémero, às mulheres perfeitas esculpidas em silicone, aos pares lindíssimos, às pessoas que parecem existir apenas naquelas folhas, naqueles programas, o mundo cor de rosa dos flashes. No entanto mais adiante e na continuação da leitura, ele parece aprofundar e alargar este conceito ao todo, à sociedade toda em geral, como nos apresenta na tese 6 “ Sob todas as formas particulares – informação ou propaganda, publicidade ou consciência directa de divertimentos, o espectáculo constitui o modelo presente na vida socialmente dominante. Ele é a afirmação omnipresente da escolha já feita na produção, e o seu corolário o consumo”.

Nesta tese ele apresenta-nos perfeitamente esta ideia de que não é só à esfera do social que se refere, mas à sociedade em geral.
Vive-se da imagem que é mediatizada pelos meios de comunicação a realidade é a “ papinha mastigada”, que nos passam ao jantar enquanto estamos a ver televisão ou lemos os jornais ou ouvimos a rádio ou…ou…ou.

É engraçado, há uns anos, lembro-me ter ouvido um velhote dizer que não acreditava que o homem tivesse ido à lua, bem sei que é um exemplo exagerado, mas ele dizia que tinha sido tudo montado para os americanos controlarem o mundo, não tenho dúvidas de que realmente foram, mas. Não seria tão simples criar essa realidade???
Sei que estou a exagerar, mas seria possível. Como é possível ainda hoje criar ilusões vivências nas pessoas, por exemplo lembro-me também do filme the Truman Show um filme em que, Jim Carrey, a personagem principal vive uma vida manipulada, simulando uma realidade que afinal não é mais do que um cenário, um estúdio gigante, que ele pensa ser a sua própria vida. Logicamente a determinada altura as coisas começam a não engrenar umas nas outras e ele acaba por descobrir toda a trama.

Esta é uma boa figura de estilo para comparar este tema – a vida real e a sociedade do espectáculo – que estão presentes nele (TRUMAN) e através dele, afinal, ele é o próprio simulacro, ele é o exemplo vivo da vida do espectáculo, mesmo sem saber, – através dele os espectadores assistem a esse espectáculo criado e através dele são alcançados e também manipulados vivem a sociedade do espectáculo”

Guy fala também da vivência da aparência, do viver para ter, para mostrar, para aparecer, “ O que aparece é bom o que é bom aparece”, é quase como dizer: “falem bem ou mal de mim, mas falem”, é sinal que existo como se o existir nesta sociedade por ele descrita, só se materializasse pelo aparecer, pelo mostrar, convertendo-se “as imagens reais em aparência em espectáculo”. Como se a existência só fosse passível de acontecer, nesta dimensão no facto de aparecer.

Finalizando, o autor fala-nos de uma sociedade sem rumo, superficial, mediada, simulada, em que a realidade se vive pelas representações sociais, em que o verbo SER, dá lugar ao verbo TER e este por sua vez ao verbo APARECER e PARECER, esta é para o autor a grande questão viver ou parecer viver???

É interessante, agora já entrando na análise do segundo autor, ver como as perspectivas sociais podem ser diferentes de autor para autor. Tal como Guy Debord também lipovetsky no apresenta duas visões da sociedade, mas, se o primeiro autor as apresenta paralela e simultaneamente ou seja, lado a lado, num mesmo tempo – uma a realidade, outra a sociedade do Espectáculo, já o segundo autor apresenta-nos a sociedade dividida em tempos, o tempo moderno e o tempo pós moderno.

No primeiro tempo – vemos uma sociedade regida por condutas colectivas, em que princípios legais religiosos, morais, ideais e ideias eram comuns ao todo á sociedade no geral, em que prevalecia o colectivo em detrimento do Individual. No entanto por volta de 1950 (e esta data coincide mais ano menos ano com a data do fim da segunda grande guerra) assiste-se a uma mudança de comportamentos na sociedade.

Assistiu-se a uma desagregação da sociedade dos costumes, como o próprio autor diz “trata-se de uma mutação sociológica global em curso” assiste-se a uma fractura da socialização disciplinar, o que anteriormente era tido como lei é agora questionado o que todos cumpriam é agora colocado em causa assiste-se à “instalação de uma sociedade flexível…leva-se em conta os factores humanos, no culto da naturalidade da cordialidade e do humor” Esta nova visão ou etapa da sociedade foca-se no Indivíduo não no colectivo.
Esta nova visão ou etapa, longe da aparência e do controle totalitário, acaba também por controlar o indivíduo.
Anteriormente havia um controle visível na prática de todas as acções e atitudes no grupo, na massa, na sociedade. Agora assiste-se a uma forma muito mais sublimada que surge “ já não através da tirania dos pormenores mas com o mínimo possível de coacção e o máximo possível de opções, com o mínimo de austeridade e o máximo de desejo com o mínimo de constrangimento e o máximo de compreensão. Processo de personalização, com efeito na medida em que as instituições doravante se fixam nas motivações w nos desejos, incitam á participação, organizam os tempos livres e as distracções manifestam uma mesma tendência no sentido da humanização, diversificação, da psicologização das modalidades de socialização” quer tudo isto dizer que de forma diferente voltam a ter o controle do individuo estes novos valores estes novos conceitos visão o individuo a liberdade do individuo mas criam teias em que essa mesma liberdade acaba por ser condicionada manipulada pelos novos valores criados.

Vivemos numa sociedade supostamente livre mas acabamos por nos sentirmos presos.


Presos a modas que negamos seguir, presos a valores com que concordamos, mas que negamos pois acabam por ir contra os novos valores impostos, acabamos por estar também nós a viver uma tirania, se bem que esta escondida por baixo de uma imagem de liberdade de libertação do Individuo, se alguém ousa dizer que ainda acredita nas instituições casamento por exemplo, é logo apontado como CARETA.

Para finalizar, é tão interessante ler estes autores e ver que descrevem coisas que sentimos coisas de que nos apercebemos, mas que não conseguimos explicar, eu sinto este vazio que este autor fala, sinto a falta de bases, sinto este caminhar abandonado das pessoas, sinto que andamos todos a caminhar para algo, mas que nem sabemos bem para quê.

Sinto que valores que anteriormente faziam sentido, deixam de fazer agora, o indivíduo a sociedade já não acredita nas Instituições família, casamento, ensino, etc.
Procura-se uma satisfação que não é colmatada em nenhuma das formas criadas para o fazer. Ironicamente numa altura em que temos acesso a tudo, em que tudo se compra sentimo-nos nus falta-nos algo, e isso é tão premente, esse sentimento é tão geral visível e gritante, que de forma irónica podemos dar o exemplo da anorexia uma doença dos dias de hoje, da cultura dos dias de hoje, como é possível que indivíduos que tem acesso a toda a alimentação possam negar-se a comer ao ponto de morrerem, não falo de pessoas que querem alimentar-se mas não podem. Falo de pessoas que tendo tudo para se alimentarem não o fazem, este será talvez a meu ver o resultado mais dramático e irónico desta sociedade vazia em que o acesso a tudo, em que o possuir tudo não enche “cá por dentro”.

É caso, e agora finalizando mesmo, para ir buscar José Saramago no seu belíssimo texto A Avo Josefa, e questionar: Será que ela sentia este vazio????
Creio que não.

CARTA PARA JOSEFA, MINHA AVÓ
Tens noventa anos. És velha, dolorida. Dizes-me que foste a mais bela rapariga do teu tempo – e eu acredito. Não sabes ler. Tens as mãos grossas e deformadas, os pés encortiçados. Carregaste à cabeça toneladas de restolho e lenha, albufeiras de água. Viste nascer o sol todos os dias. De todo o pão que amassaste se faria um banquete universal. Criaste pessoas e gado, meteste os bácoros na tua própria cama quando o frio ameaçava gelá-los. Contaste-me histórias de aparições e lobisomens, velhas questões de família, um crime de morte. Trave da tua casa, lume da tua lareira - sete vezes engravidaste, sete vezes deste à luz.

Não sabes nada do mundo. Não entendes de política, nem de economia, nem de literatura, nem de filosofia, nem de religião. Herdaste umas centenas de palavras práticas, um vocabulário elementar. Com isto viveste e vais vivendo. És sensível às catástrofes e também aos casos de rua, aos casamentos de princesas e ao roubo dos coelhos da vizinha. Tens grandes ódios por motivos de que já perdeste lembrança, grandes dedicações que assentam em coisa nenhuma. Vives. Para ti, a palavra Vietname é apenas um som bárbaro que não condiz com o teu círculo de légua e meia de raio. Da fome sabes alguma coisa; já viste uma bandeira negra içada na torre da igreja. (contaste-mo tu ou terei sonhado que mo contavas?) Transportas contigo o teu pequeno casulo de interesses. E, no entanto, tens os olhos claros e és alegre. O teu riso é como um foguete de cores. Como tu, não vi rir ninguém.
Estou diante de ti e não entendo. Sou da tua carne e do teu sangue, mas não entendo. Vieste a este mundo e não curaste de saber o que é o mundo. Chegas ao fim da vida, e o mundo ainda é, para ti, o que era quando nasceste: uma interrogação, um mistério inacessível, uma coisa que não faz parte da tua herança: quinhentas palavras, um quintal a que em cinco minutos se dá a volta, uma casa de telha-vã e chão de barro. Aperto a tua mão calosa, passo a minha mão pela tua face enrugada e pelos teus cabelos brancos, partidos pelo peso dos carregos – e continuo a não entender. Foste bela, dizes, e bem vejo que és inteligente. Por que foi então que te roubaram o mundo? Quem to roubou? Mas disto talvez entenda eu, e dir-te-ia o como, o porquê e o quando se soubesse escolher das minhas inumeráveis palavras as que tu pudesses compreender. Já não vale a pena. O mundo continuará sem ti - e sem mim. Não teremos dito um ao outro o que mais importava.
Não teremos, realmente? Eu não te terei dado, porque as minhas palavras não são como as tuas, o mundo que te era devido. Fico com esta culpa de que me não acusas – e isso ainda é pior. Mas porquê, avó, por que te sentas tu na soleira da tua porta, aberta para a noite estrelada e imensa, para o céu de que nada sabes e por onde nunca viajarás, para o silêncio dos campos e das árvores assombradas, e dizes, com a tranquila necessidade dos teus noventa anos e o fogo da tua adolescência nunca perdida: «O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer!»
É isto que eu não entendo – mas a culpa não é tua.

1 comentário:

Isabela Cordaro disse...

Oi, adorei seu texto sobre a sociedade do espetáculo! Muito bom, instrutivo e auto-explicativo! Sou brasileira e gostaria de manter contato! Já visitei Sintra. É uma bela cidade para se morar!
Beijos.